Inicialmente, vê-se uma pequena presença sobre o grande linóleo branco, que cresce à medida que inspira, expira, respira. Nesse simples movimento vital e orgânico que todos os seres vivos dançam – na sua frente, mais de cem pessoas faziam essa mesma ação – o movimento da figura se difere pelo seu ritmo, dinâmica e força. Não só respira, hiperventila e, como o instrumento que dá nome ao trabalho – a fole – produz vento. Assim, esse seu ritmo contamina o público, ou seria apenas a mim? Sinto que minha respiração também se altera e, por hiperventilar, provoca-me a sensação de vertigem, tontura. Sinto-me, então, conectada ao seu estado fora de si, ao seu descontrole controlado.
A respiração toma pulmão, circulação, coração, cabeça, diafragma, abdômen, braços, pernas, coluna… Ou seria o inverso? A hiperventilação pode ocorrer por consequência de um ataque de pânico ou ansiedade, ou seja, uma ação externa cria uma reação física interna.
Provocantes e provocados, causa e consequência, expansão e recolhimento, migração de um ponto de alta pressão para outro de mais baixa. Esse corpo é parte do seu entorno? Onde se encontra o limite? A minha respiração afeta à dela ou só a dela me afeta?
Provoca-se, por consequência, a voz – uma língua outra – que nasce ou morre sufocada, que comunica no gesto e na ação, (de)forma a dramaticidade, expulsa à força o que há dentro.
E é um corpo feminino que se apresenta dessa forma, movimentos bruscos, um estado de violência e seus apelos sugerem uma leitura relacionada às opressões físicas e morais sofridas, até os dias atuais por uma determinação de gênero e minoria, pelo feminino. Assim, reage com a voz, a respiração, quer se manifestar, mas nem sempre seu apelo é para ser ouvido ou entendido. Seu manifesto ecoa pelo espaço e propõe novos ritmos; é manifesto mas também é festa – nas luzes, no corpo, celebra. Festa-manifesto que convoca e reforça presenças e ausências, desloca, mobiliza.
(Mani) Festa também provocando seus limites. Apresenta no corpo linhas: delimita mas também desvela e borra. Mostra o seio, seu sexo e deforma as linhas, cria em si uma máscara, se marca e carimba o branco do chão. O faz com a boca, assim como o seu vento e o seu som, quase engole a si para se transformar em outro ou demarcar o seu mesmo. Escurece a si e o resto, não vemos, só ouvimos, sua presença em respiração ainda é presente, mas é também um outro que não vejo, não controlo. A permanência no escuro borra até a mim, quais são os meus limites e contornos? Fole, de Michelle Moura, também poderia ser moinho, ao transformar vento em energia de movimento.