onucleo & Aldeia Maracanã | Ecologias Espaciais

A edição Ecologias Espaciais do programa Residências Partilhadas/LabCrítica reuniu três núcleos artísticos brasileiros interessados em investigar as conexões entre arte, performance e políticas de produção e ocupação de espaços, tendo as ecologias de cuidado comunitário como foco principal. onucleo & Aldeia Maracanã foi um dos grupos participantes.

O Núcleo de Pesquisa, Estudos e Encontros em Dança — onucleo — e o território indígena localizado na cidade do Rio de Janeiro — Aldeia Maracanã — trabalharam em conjunto, de janeiro a junho de 2022, na reestruturação do muro que demarca o território da Aldeia, tendo os jovens indígenas como protagonistas das ações. O engajamento em atividades concretas como a reforma e a pintura do muro, que é simultaneamente dispositivo de proteção e de expressão e difusão das artes indígenas, fortalece o vínculo dos mais novos com o território e facilita a emergência das marcas da memória ancestral através de suas mãos.

O muro no início, no meio e no final do projeto. Fotos e montagem: Nane Vieitas

 

onucleo é um coletivo de pesquisadoras artistas da dança, vinculado ao Departamento de Arte Corporal (DAC) e ao Programa de Pós-Graduação em Dança (PPGDan) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atualmente voltado para a realização de “práticas de estarcom” pessoas e lugares. As práticas de estarcom são fazeres de dança que se atentam ao gesto, aos micro-movimentos em suas dimensões afetivas e projetivas, ao campo de forças e à presença. Nessas práticas inauguram-se novas potências de relação, corporeidades, possibilidades de criação e cuidado. Movendo-nos em um espaço relacional, que tem o chão da Terra como suporte-colo e o afeto como guia, desde 2017 estamoscom a Aldeia Maracanã.

O projeto Posaûsub ibi (sonhar o chão que se pisa): corporeidade e decolonialidade nos cruzos da dança, iniciado em 2020, propiciou um espaço de troca de saberes e experiências entre onucleo, os indígenas e os apoiadores da Aldeia, consistindo em uma dinâmica de experimentação e com-vivência. Já em 2022, durante as Residências Partilhadas LabCrítica, nossa aliança foi consolidada através da ação coletiva de reforma do muro.

A Aldeia Maracanã é um território indígena em contexto urbano, vizinho do maior estádio esportivo do Brasil, localizado no bairro do Maracanã, Rio de Janeiro – RJ. Seu terreno abrigou, em 1910, o Serviço de Proteção ao Índio e, posteriormente, o Museu do Índio. Em 1977, o museu foi transferido para outro local, e o espaço ficou sem destino até ser ocupado, em 2006, por um grupo de indígenas de diversos povos que o denominaram Aldeia Maraka’nà (na língua tupi-guarani), e o reivindicaram como território indígena ancestral e sagrado.

Em 2013, durante as obras para os grandes eventos esportivos mundiais sediados no Rio de Janeiro, o governo do Estado orquestrou uma violenta e ilegal operação de retirada dos indígenas desse território para concedê-lo à iniciativa privada. Muitas ações de resistência foram necessárias para impedir a consolidação desse projeto de expropriação, e o gesto de José Urutau Guajajara — permanecer por 48 horas em cima de uma árvore — foi determinante para a reexistência da Aldeia. Hoje, o território abriga a Universidade Indígena Pluriétnica e Multicultural Aldeia Maraka’nà e tem como lideranças o cacique Urutau Guajajara e Potira Krikati Guajajara.

As Flechas

Sonhar o chão não é somente uma imagem poética, mas uma flecha multidimensional que tensiona os limites entre arte, educação, política e cuidado. Um agenciamento político-afetivo com o território Aldeia Maracanã que faz sentir que o futuro é ancestral e que as memórias do lugar se inscrevem nos corpos e na pele do espaço. Sonhar o chão é sonhar com os pés no chão, se conectando com o território, plantando imaginações e narrativas que resistem ao projeto capitalista colonial e que acolhem modos de viver em torno da fogueira dos encontros.

Outra flecha que guia nossa pesquisa são as práticas de estarcom como gesto de cuidado e criação. A reforma do muro foi uma experiência coletiva em torno de um objetivo comum que nos aproximou afetivamente das jovens lideranças indígenas, tecendo redes, trocas de saberes e laços de confiança. O engajamento e o protagonismo da juventude pareceram reverberar em outras atividades da Aldeia, atraindo aliados, apoiadores e parcerias na realização das pinturas, desenhos, grafismos e registros. Um reunião que ajuda a consolidar o processo de autodemarcação do território que é corpo e é espírito, como nos conta Inara Nascimento.

Os Gestos

O projeto da reforma do muro foi dividido em duas etapas que consistiram em: 1) reformar os aproximados 35m de muro previamente existentes, cobrindo os tijolos expostos com cimento, alinhando e alisando sua superfície; 2) pintar os 35 m de muro emboçados com as expressões dos diversos povos que compõem a multiculturalidade da Aldeia Maracanã, na produção de um mural de arte indígena contemporânea.

O primeiro gesto realizado para iniciar o trabalho, engajar as jovens lideranças comprometidas com o projeto, contrair a coletividade e ganhar massa comunitária foi o de rebocar juntos, emboçar juntos — ativar coletivamente os músculos que sustentam a pele do espaço e sua potência de expressão. Reunir cimento, areia, pedra, água e virar a massa. Cobrir de cimento e alinhar as paredes. Alisar a superfície para que ela se transforme em “tela”.

O segundo gesto foi o de substituir o cinza do cimento pelo branco e pintar junto, com as cores da diversidade de povos e culturas que são acolhidos na Aldeia Maracanã: Tikuna, Pataxó, Maxacali, Goytacá, Guarani Kaiowá, Tupinambá, Ashaninka, Guajajara, Guarani, Xukuru,  Akroá Gamella , Quechua, Aimará e Tiryó.

Assim como a pele do corpo que recebe o jenipapo, o muro foi sendo coberto de diferentes grafismos e motivos artísticos. Através da escuta do chão, da sintonia afetiva e da ação coletiva, o muro foi ganhando cor e movimento. A ação foi finalizada com um mutirão. Na pele do muro fomos exercitando essa prática tão comum na Aldeia, sustentada no fazer junto, no com-viver para o bem-viver.

 

Relatório de Atividades 2022 onucleo & Aldeia Maracanã

Atividades desenvolvidas no Projeto Residências Partilhadas

● Organização e articulação do projeto junto às lideranças indígenas;
● Organização e listagem dos materiais para a reforma e pintura do muro;
● Compra e organização dos lanches coletivos nos encontros;
● Participação nas reuniões regulares com os integrantes brasileiros do projeto Residências Partilhadas;
● Participação nas rodas de canto, dança e cura em volta do muro e da fogueira;
● Registro audiovisual dos encontros;
● Produção de resumos e textos para participação em eventos;
● Produção de cartografias e relatos da experiência;
● Produção do relatório;
● Produção e preparação para a viagem ao Canadá;

Atividades complementares 2022

● Participação no evento Spatial Ecologies: Respostas artísticas à pandemia nas Américas
● Oficina de dança Corpo – Terra na Aldeia Marakanã
Ciclo Sagrado Feminino durante a Lua Cheia, junto la liderança Potira Krikati Guajajara, na Teko Haw Marakanã
onucleo ConVida: Mostra Dramaturgias Contracoreográficas – Ativações Performágicas (in)dig(e)nas contra a farsa da representação colonial. Encontro com Juma Pariri na Teko Haw Marakanã
● Participação na manifestação de pressão às autoridades locais para que toda a extensão da aldeia se mantenha em poder dos indígenas
● Encerramento Roda de Maracás da Teko Haw Marakanã, no Festival Abril pras Danças, no Teatro Cacilda Becker
● Visita ao Centro de Etnoconhecimento Sociocultural e Ambiental (CESAC), conduzida pela Guardiã Potira Guajajara
onucleo ConVida: Mostra Dramaturgias Contracoreográficas – Quilombo Movimento. Encontro das águas. Danças para regar o jardim. Centro Cultural João do Alabá
● Mutirão para finalização do muro
● Apresentação do projeto Residências Partilhadas, realizada por Giulia Lucas e Nane Vieitas, no Seminário Comunidança
● Aprovação e apresentação da comunicação oral Pedra, terra e água: o muro como pele do espaço na Aldeia Maraka’nà com autoria d’onucleo e das lideranças da Aldeia no Comitê Temático relato de experiências, no
7° Encontro Científico Nacional de Pesquisadores em dança – ANDA

Integrantes d’onucleo que participaram do projeto Residências Partilhadas:
Lidia Larangeira e Ruth Torralba – coordenadoras da ação
Nane Vieitas e Giulia Lucas- equipe realizadora e produção
Thais Chilinque- equipe realizadora e produção executiva

Lideranças da Aldeia que participaram do projeto Residências Partilhadas:
Urutau Guajajara, Potira Krikati.
Jovens: Francislei Belizario Maxakali, Luiz Simba, Mayra Guajajara, Sandro de
Souza, Uirahu Guajajara e Vinicius Almeida dos Santos.

Lista de colaboradores na reforma e pintura do Muro:
Alec Vasconcelos, Ana Paula Apas, Carol Fernandes, Carol Ludu, Clara Techno,
Gustavo Paixão, Marnei Fernando, Rita Barroso, Shikko, Wagner Cria , Bruna
Lamego, Dilan, João Tikuna, Luísa Oliveira, Esther Pataxó, Simba Xukuru Kariri,
Luane artesã, Daniel Galvão, Azre, Edgar, Sérgio Andrade, Lia Zanirato, Lucas
Pires, Iê carvalho, Manu, Ricardo Tupinambá, Hudson, Ashaninka, Renata
Mecca, Brisa Alecrim, Maynumi Guajajara, Manga Rosa, Mayra, Marcela Akaoui.

Artistas apoiadores que colaboraram no muro:
Ana Paula Apas, Marnei, Rita Barroso.

Indígenas Artistas que colaboraram no muro:
Iraneuza Bernardo Gregório (Tapixi Guajajara), Wanessa Dewaneios, Condor
Andino, João Tikuna, Janaron Pataxó.

Para ler o relatório completo, acesse onucleo e Aldeia Maraka’nà_Relatório Residências Partilhadas_LabCrítica