Existe uma maneira certa ou errada de ver dança hoje? É possível assistir um espetáculo sem atravessá-lo com as suas vivências e com os acontecimentos de seu tempo? É possível ser imparcial por completo? Eu arriscaria dizer não para todas estas perguntas. E complementaria que são essas interseções que tornam uma obra ainda mais poderosa. Se não é possível existir sozinho, levemos isso em consideração. Vivemos em um tempo específico e em sociedade, estas experiências nos servem de óculos sociais para enxergarmos o que nos cerca. Em contrapartida, nos falta empatia. O mundo parece ocupado demais para se preocupar pelo que o outro passa, em como ele está. As preocupações estão cada vez mais individuais e menos sociais/coletivas. “Pela minha família” é o que alguns dizem. Pelo MEU. O que acontece quando cada um só se importa com o seu umbigo?
Sábado, 19 de novembro de 2016. Estou indo assistir Looping Bahia overdub. Já passou das 20:30h. Encontro-me numa fila. Ansiosa. Curiosa. Um rapaz me entrega um papel com informações sobre o espetáculo. Descubro que se trata de um estudo do tempo. “Repetição, acumulação, fusão e supressão: ciclos que se encerram em si mesmos, sobre si mesmos”, diz o programa da obra. De onde estou é possível ouvir uma música animada. “Looping é o encontro entre pensamento sonoro e pensamento coreográfico: overdub Bahia”, volto a ler. Entro no ambiente onde o acontecimento aguardado se realizará. A música se repete, se materializa e atravessa os corpos de todos, impedindo a sua paralisação. Cada espectador deixa de ser um mero observador e cria suas próprias coreografias, de início ainda contidas. Aos poucos as singularidades vão se amontoando e se transformando em coletivo. Entramos na dança com os artistas. Uma coreografia modelo começa a se propagar. Uma espécie de marcha – dança coletiva.
Grupos de braços dados e pés encontrando o chão em sintonia com a música. Controle e descontrole se alternam. Dispositivos são acionados, mas o seu desenrolar não é previsível por completo. Pessoas vindas dos mais diversos lugares, com suas vontades e desagrados, dentro de um lugar fechado, com música animada, catuaba, artistas estimulando-os a entrar na dança… Com todos esses fatores, é de se esperar que a organização e desorganização sejam convidadas. E essas visitantes dão ainda mais vida e beleza ao espetáculo.
Em meio a todo esse evento, analogias se formam em meus pensamentos. Movimentações trazem à tona imagens de experiências políticas e sociais que vivemos no país “do carnaval” atualmente. A diversão é minha grande parceira, mas em alguns momentos a seriedade e a reflexão se fazem mais presente. Se Looping são “ciclos que se encerram em si mesmos, sobre si mesmos” e nós, ao assistirmos, fazemos parte dele, não se trataria também de um estudo da vida? Uma vida que se encerra ali e sobre ela mesma? Sobre os lados bom e trágico da vida?