No salão nobre do Parque Lage instala-se a performance da artista Michele Moura. Um chão coberto por grandes folhas de papel brancas e, nele, uma elevação. Em um tempo particular, o chão ganha movimento, a elevação se move e se divide em duas ou três partes que, aos poucos, vão ocupando novos espaços, aprofundando suas relações, criando bolhas no papel. Assim, se transformando em grandes massas, o papel se personifica, encontra a verticalidade em diferentes proporções e tamanhos, caminha, dança, gira pelo grande tapete branco.
Sentido e forma dos corpos não se diferenciam do papel, são parceiros e complementares. Porém, o corpo é anulado, está sob seu parceiro, é a base, se apresenta em cena como suporte motor para a atuação do papel. O corpo perde sua identidade, não é o protagonista dessa dança e não tem pretensão em se mostrar. Aqui, o que diferencia a dança das demais artes é questionado – como em obras performáticas da atualidade que tendem a pôr em debate os elementos necessários para a criação de uma obra de arte e seu lugar de apresentação – buscando, ao máximo, romper com a tradicionalidade e inovar, suprir a necessidade de um público que procura, cada vez mais, ser surpreendido e descartar o que é ultrapassado. O corpo, como elemento principal, dá lugar ao objeto, se assemelhando às artes visuais, que usam tela e objetos como mídia. E, dessa vez, a tela branca é preenchida por movimento.
O público procura a todo tempo desvendar o que há por debaixo do papel. O ser que o ocupa se prolonga, diminui e ganha novas formas conforme se movimenta. Qual é o seu tamanho? Qual é a sua forma? Uma perna, um pé, um pedaço de gente aparece por entre o papel. O público se espanta, ri e quer descobrir mais.
O papel se amassa e se aglomera, vai de encontro ao público e faz com que este se aglomere também. Esse movimento se assemelha àquilo que já não nos serve, que amassamos e jogamos fora; a ideia, o sentimento e o sentido que imprimimos nele já não são mais úteis, e o papel é descartável como as relações “deletáveis” que estabelecemos na atualidade. Por outro lado, pensamos na mobilidade e na renovação, pois o espaço e as formas se constroem a partir de ações e configuram novas paisagens a partir de sua instabilidade. O espaço é preenchido e esvaziado.
Assim como o papel, o corpo é lugar de reunião de memórias e sentimentos, neles, a abstração se concretiza. Em Big Bang Boom, o corpo insere as memórias ao se movimentar e, para o público, a experiência é sinestésica a partir da trilha sonora, que se configura pelo som do papel em seus movimentos.
O título do trabalho dá a ideia de uma onomatopeia de explosão, a origem do mundo, o Big Bang, a grande explosão que deu origem ao desenvolvimento inicial do universo, anterior à criação da figura humana, o nada se transformando em algo em constante mutação, explosões que geram formas e deformam, expansões e reuniões. No trabalho de Michele, a explosão se manifesta harmônica, vagarosa, coreográfica e liricamente. E, visualmente, se configura como uma pangeia, a separação dos continentes, novos ambientes criados pelo movimento das bases, a fragmentação constante e lenta.