Dois homens sentados em duas cadeiras, fazendo leituras de partituras com os seus corpos. Corpos disciplinados, sentados, contidos, domesticados e mesmo assim se movimentando e se comunicando. Interpretação livre, porém sincronizada no ritmo de ambos.
Silêncio, gesto, corpo. Ritmo, mas também monotonia.
Como chefes de orquestra eles tocam o(s) corpo(s) e rompem com a tradição.
É interessante ver como essa ruptura se dá internamente, como uma implosão da composição clássica. O duo se apropria da tradição, passa pela ruptura para chegar a uma autonomia artística de criação, que pode se chamar liberdade de composição gestual.
Jonathan Burrows, coreógrafo, dançou no Royal Ballet por 13 anos e Matteo Fargion, músico, estudou composição. Ambos vieram do que chamamos de “tradição” para só então chegar a este território da desconstrução. O rigor intelectual da composição é materializado pelas partituras em que eles se apoiam e a música como método toma o papel central nos dois espetáculos apresentados.
No segundo espetáculo do duo para o festival Panorama 2015, passamos para a música experimental servida na mesa, com cadeiras e dança dançada com as mãos. O caderno de partituras que simboliza a tradição está ainda presente. Assim como o humor que surge do estranhamento do público e dá permissão para que a performance aconteça.
Temas políticos e irônicos são tratados com sutileza, tocados e dançados. A dança que fala sobre temas delicados; a micro-dança minimalista em micro-movimentos. Trabalho de tradução da intenção conceitual de tratar de fragmentos sonoros e gestuais do cotidiano mundial, como os problemas do capitalismo figurado nos banqueiros e políticos, fronteiras migratórias, colonização etc.
O corpo e sua fisicalidade se colocam em cena para escrever em dança os repetidos gestos maquinais da vida moderna cotidiana, fazendo, assim, crítica ao corpo que trabalha, que vive, que sofre e que repete gestos.
Os dois espetáculos apresentados colocam o corpo de maneira comportada, domesticado, mas também coloca um corpo crítico e atento que incorporou a tradição e que está pronto para romper com ela. É este o tom que faz do trabalho de Burrows e Fargion um trabalho de engajamento político e estético.