Trabalho das artistas/pesquisadoras Camila Mozzini, gaúcha, doutoranda em Comunicação pela UERJ, e Dasha Lavrennikov, russa, doutoranda em Comunicação pela UFRJ, realizado na tarde de 12 de novembro de 2014, no LabUni.
A vivência proposta por esta dupla, segundo o texto de base distribuído, visou “trazer as interseções entre corpo e performance com o intuito de não só tensionar, mas também de experienciar a noção de fronteira enquanto um espaço dinâmico de relações e de encontros. Fronteiras, nesse sentido, serão entendidas enquanto zonas de troca (WILDEN, 2000) e, portanto, de ebulição de encontros e de produção de ‘entres’: entre corpos, entre espaço, entre tempos”.
Sua participação ocorreu logo após uma acalorada discussão entre expositores e organizadores do evento, por conta de uma mudança no limite de tempo dedicado a cada grupo. (Obs: devido à falta de quórum no período da manhã e à realização de mais uma apresentação no período da tarde, as apresentações passariam de uma hora para meia hora. Ao cabo da conversa/discórdia (!) chegou-se ao acordo de 45 minutos, com uma hora para discussão no final).
Num tom apaziguador, afirmando que sua proposta “cairia bem” após aquele momento de tensão, o que de fato se deu, pela “mudança de clima e abertura para o lúdico”, as duas convidaram o público a descer da plateia, retirar os calçados, se desejassem, e fazer uma roda. Após uma breve apresentação pessoal e de como haviam se conhecido (havia cerca de um mês), explicaram sucintamente que a vivência se nortearia pelas ideias de corpo, espaço, contato com o outro, humano ou não humano. Tratando-se de um trabalho absolutamente experimental, elas fariam proposições que serviriam como dispositivos para a criação, de modo que o próprio grupo iria conduzir os rumos dos acontecimentos de maneira imprevisível. Demarcando-se o espaço a ser utilizado entre a primeira fileira da plateia e o palco, elas apresentaram “regras do jogo”, sendo que a primeira era “manter os olhos fechados”, com exceção de quatro voluntários que se posicionariam nas quinas, com instrumentos de percussão (chocalhos), a fim de alertar para perigos e para os limites do espaço. As questões norteadoras, escritas sobre uma cartolina, eram:
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como podemos colapsar, desmoronar, corroer, estourar, esmigalhar e, portanto, reorientar nossas percepções concepções habituais/convencionais de fronteira sem negar a sua presença e potencialidade?
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como é possível produzir no, e com o corpo, experiências de fronteira que coloquem em questão dicotomias como ‘dentro x fora’, ‘interior x exterior’, ‘eu x outro’ a partir de trocas pautadas, não pelo medo, mas sim pelo cuidado e pela generosidade?”
A partir daí, iniciamos uma viagem (cega) pelo espaço, inicialmente explorando os contatos pela pele, com objetos inanimados e com outros corpos. O som dos instrumentos serviu como estímulo à movimentação que, segundo os colegas que assistiam das quinas, ia se transformando à medida que se dava uma maior entrega à proposta, havendo uma variação visível na “desconstrução” de posturas de corpos entre pessoas oriundas de campos mais teóricos, como a filosofia, e artistas/bailarinos. Num segundo momento, elas solicitaram que os participantes criassem maneiras de evitar o toque do outro a qualquer custo. Diferentes estratégias de sonoridades e movimentações foram produzidas – com a voz, estalar de dedos, palmas, movimentação em diferentes velocidades e direções a “cavar o espaço”, sem que se conseguisse evitar totalmente os contatos. A “cena” produzida parecia ser interessante, pois ouvíamos risadas das pessoas que assistiam.
Ao final, de olhos abertos, a dupla nos entregou uma fita crepe e pediu que nossas percepções fossem “espacializadas”, à medida que seguiríamos falando e colando a fita, enquanto um segundo parceiro escreveria a fala, tomando o lugar do primeiro em seguida, gerando um desenho coletivo.
Camila afirmou ter se “arrependido” de não ter usado também o espaço do palco, o que geraria um maior estado de alerta dos “vigilantes”, ao que repliquei afirmando que não nos entregaríamos tanto à proposta de manter os olhos fechados caso houvesse risco de queda e lesão.
Sua pesquisa, pelo que entendemos e conversamos, está ligada à produção de dispositivos geradores de processos criativos com o público, como estratégia de ação e crítica ao modelo de “educação bancária” que exclui o corpo e o sensível do aprendizado.
Deste modo, a obra de arte seria a própria experiência do acontecimento, a performance que se desdobrou a partir de suas proposições, produzida naquele instante e de maneira única e inusitada.
Como o LabUni tem como eixo a relação arte/espetáculo com a produção de conhecimento na universidade, considerei o ponto alto da participação da dupla sua contribuição para a interatividade – as demais apresentações foram expositivas e uma delas, a apresentação de um solo (Carol Marim, da UniRio) –, fomentando discussões acerca do tema, compartilhando com os presentes um dispositivo muito simples que pode ser experimentado tanto no campo educacional quanto por pesquisas de grupos artísticos de teatro/dança/performance.
NOTAS
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Paulo Freire chamou de educação bancária a abordagem tradicionalista da escola brasileira, em que o professor “deposita” o conhecimento em um aluno como se esse não tivesse pensamento próprio, evidentemente fazendo uma crítica desse modelo e propondo mais horizontalidade e trocas do que essa relação vertical, hierárquica, entre professor(a) e aluno(a).