A convivência é uma ilha, de Fernando Codeço, bolsista pós-doc Hemispheric Encounters no LabCrítica (2023-2024)

A convivência é uma ilha, pesquisa-criação em territórios instáveis

Recado do mar (2017-2022), série de Fernando Codeço.

A Convivência é uma ilha é uma pesquisa de pós-doutorado desenvolvida por Fernando Codeço, entre teatro, artes visuais, museologia social e arte ambiental. A pesquisa enfoca a atuação contextual em territórios instáveis impactados por catástrofes ambientais ou políticas de remoções e especulação imobiliária, destacando-se a praia de Atafona, no norte do Estado do Rio de Janeiro. O pós-doutorado foi iniciado em setembro de 2023 e segue até agosto de 2024, no LabCrítica & PPGDan/UFRJ, sob a supervisão do professor, artista e pesquisador Dr. Sérgio Andrade; e tem apoio do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais e Humanas do Canadá (SSHRC). O projeto ganhou o edital da Lei Federal Paulo Gustavo, Apoio ao Teatro – Evoé RJ e está com estréia prevista para o segundo semestre de 2024.

A convivência é uma ilha dá continuidade às pesquisas iniciadas por Codeço, na sua tese de doutorado Teatralidades da Erosão – ensaios sobre ecofagias, desfigurações e naufrágios, desenvolvida no PPGAC/ UNIRIO e em co-tutela com o Centre de Recherches en Arts et Esthétique da Université de Picardie Jules Verne em Amiens na França.

Na tese, Codeço aborda sua investigação criativa, analítica e conceitual a partir da convivência com o fenômeno socioambiental da erosão marinha que há mais de 70 anos atinge a praia de Atafona, localizada no município de São João da Barra no norte do estado do Rio de Janeiro. A partir da ideia popular local de que “o mar come as casas” e o território de Atafona, Codeço criou a noção de ecofagia como uma metáfora existencial, um campo de experimentação estética e um modo de crítica cultural em tempos de colapso ambiental. Junto aos coletivos CasaDunaGrupo Erosão, Codeço tem desenvolvido uma série de trabalhos artísticos, dentre eles o projeto Museu Ambulante (UENF, 2021 e  2022). 

Museu ambulante (2021-2023), de Fernando Codeço.

 

ATAFONA

A praia de Atafona está localizada no município de São João da Barra, na região no norte do Estado do Rio de Janeiro, na foz do rio Paraíba do Sul. Nesta praia vive uma antiga comunidade de pescadores, seu balneário é muito apreciado por turistas da cidade vizinha, Campos dos Goytacazes, responsáveis pela construção da maioria das casas de veraneio que se encontram mais próximas ao mar. Atafona também é conhecida por sofrer um processo de erosão costeira intenso, já tendo perdido parte expressiva de seu território para o mar. Desde a década de 1960 a erosão destruiu mais de 15 ruas e 500 construções na localidade, criando um drama ambiental. O problema da erosão que afeta Atafona é, entre outros fatores, agravado pelas diversas ações antrópicas degradantes do rio Paraíba do Sul, a principal delas foi a barragem feita na década de 1950 que desviou cerca de 2/3 de suas águas para o rio Guandu para a criação de uma hidrelétrica e o abastecimento de água da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro.  A degradação do rio Paraíba do Sul é também reflexo da perda de consciência da importância socioambiental do rio, um dos objetivos da CasaDuna é o de promover essa consciência ambiental crítica e integrada em estreito diálogo com as comunidades ribeirinhas.

 

CASADUNA e GRUPO EROSÃO

A CasaDuna é um projeto independente que foi fundado por Fernando Codeço e pela filósofa e pesquisadora Julia Naidin. Opera como um grupo de pesquisa em artes e uma produtora cultural, inicialmente dedicada a desenvolver projetos relacionados ao fenômeno da erosão costeira que atinge a foz do rio Paraíba do Sul na praia de Atafona em São João da Barra, mas que se expande hoje para outros territórios. 

A CasaDuna faz um trabalho de pesquisa, curadoria e arquivamento a partir de materiais  e memórias, agrupando documentos, livros, jornais, depoimentos e imagens antigas da área que já foi levada pelo mar.  Esse acervo contém mais de 300 imagens históricas da região e livros raros adquiridos do artesão Jair Vieira que reuniu este material ao longo de 40 anos, centenas de recortes de jornais com reportagens sobre a região reunidos pela Dona Marilda que tinha uma pequena banca de jornal em Atafona, entre outros acervos doados ou cedidos. Desde 2017, Codeço e Naidin vêm registrado em fotos e vídeos todas as atividades culturais realizadas pela CasaDuna; realizam fotografias periódicas da paisagem e entrevistas com moradores, material que já constitui um acervo de cerca de 2 Terabytes. 

O Grupo Erosão é um coletivo de performance dirigido por Codeço e é integrado pelas performers Lucia Talabi, Jailza Motta, Rachell Rosa, Julia Naidin e Mariana Moraes, o cenógrafo Rafael Sánchez, o antropólogo e ator Paul Macalli e o coreógrafo e bailarino Guilherme Mattos. O Grupo Erosão é responsável pela parte de criação e execução de projetos artísticos da CasaDuna,  e se utiliza das linguagens da performance, do teatro de rua, do vídeo, das artes visuais e da museologia social. 

A CasaDuna atende pela pela produção executiva dos projetos, realiza pesquisas acadêmicas e coordena as residências de arte e faz as curadorias das exposições. Os dois coletivos foram criados em 2017 e (juntos ou separados) já apresentaram trabalhos em importantes espaços culturais e festivais no Brasil e no exterior. 

A CONVIVÊNCIA É UMA ILHA

A convivência é uma ilha dá continuidade ao trabalho desenvolvido por Codeço e Grupo Erosão em Atafona, agora incluindo a pesquisa em outros territórios que vivem situações semelhantes de desestabilização extrema, como é o caso do distrito do Açu, também em São João da Barra, marcado por um processo violento de neo-extrativismo a partir da instalação do Complexo Industrial Portuário do Açu, com muitas violações dos direitos humanos, crimes ambientais e remoção de famílias de pequenos agricultores. A pesquisa vai abordar também a história do assentamento Cícero Guedes do MST no município de Campos dos Goytacazes localizado na da propriedade da antiga usina de açúcar Cambahyba e territórios impactados por remoções ligadas a megaeventos na zona portuária e na zona oeste do Rio de Janeiro, como o caso da Vila Autódromo, comunidade que sofreu um processo violento de remoção com a justificativa de obras para os Jogos Olímpicos de 2016. O que há em comum entre estes territórios é a instabilidade a que são submetidos seus moradores, seja por fatores políticos, sociais ou ambientais, por isto utilizamos a noção de “territórios instáveis” para nos referir aos locais focos de interesse dessa pesquisa.

A pesquisa propõe criar uma obra a partir da colagem de fragmentos de histórias de vida de pessoas que tiveram seus territórios ameaçados seja por processos neo extrativistas e/ou em decorrência de alterações ambientais. São como as histórias vividas por Dona Belita, que se manteve morando na extinta ilha da Convivência em Atafona, no delta do rio Paraíba do Sul, até o final de sua vida centenária, mesmo depois de perder 7 casas para o mar; como a história de Dona Noêmia Magalhães, liderança entre os pequenos agricultores impactados pelo Porto do Açu; e de Dona Penha, liderança da comunidade Vila Autódromo que resistiu ao violento processo de remoção promovido pela prefeitura do Rio de Janeiro. Foi no processo de resistência às remoções na Vila Autódromo que nasceu o Museu das Remoções, um projeto de museologia social com o qual A convivência é uma ilha está estabelecendo parceria no decorrer desta pesquisa. 

Operando um processo permeado de encontros e vivências, integrantes do Grupo Erosão e os moradores dos territórios atingidos pela erosão ou políticas de remoção exercitam a performance como ferramenta de escuta, produção de saber oral, espaço de encontro e de aprendizado coletivo de formas de resistência aos processos de extrativismo e degradação ambiental.

Todo o processo de criação está sendo realizado a partir de ações performáticas pensadas em colaboração com o Grupo Erosão e com os/as moradores/as e lideranças dos territórios instáveis escolhidos para o desenvolvimento da pesquisa. Além da performance coletiva, o projeto também se empenha na criação de uma palestra-performance sobre o processo criativo, que será apresentada por Codeço em ambiente virtual e presencialmente em possíveis intercâmbios com outras universidades, congressos e seminários.

A estréia de A convivência é uma ilha está prevista para o segundo semestre de 2024, com apoio da Lei Paulo Gustavo, Apoio ao Teatro – Evoé RJ, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro.